x100v, vale o hype?
- Rafe Barretto
- Aug 19
- 9 min read
Review semi detalhado de alguém que nunca fez review

Contexto histórico
Antes de falar da X100V, eu preciso voltar um pouco no tempo e contar uma parte da minha história com fotografia e cor. Em abril de 2019, fui pro Yosemite com alguns amigos da faculdade. Todos nós tínhamos acabado de comprar nossas primeiras câmeras, cheios de sonho, achando que estávamos a caminho de nos tornar fotógrafos profissionais, seja lá o que isso significava pra gente naquela época.
Eu tinha acabado de suar a camisa pra comprar minha primeira full frame, uma Sony A7 lançada no final de 2013. Já tinha seis anos de estrada, mas os youtubers da época cravavam: é full frame ou nada. E ali estava eu, com a tal full frame em mãos, no lugar mais fotogênico possível.

Naquele rolê, fiz aproximadamente cinco mil fotos. Selecionei umas cinquenta. Editei dez. E só duas foram pro meu feed no Instagram. Isso me deixou maluco. Como é que eu produzo esse número absurdo de imagens pra no fim só duas verem a luz do dia? O resto tá até hoje num HD. Provavelmente vai ficar lá até meus netos abrirem e falarem algo tipo "nossa, quando o vô começou ele era meio ruim, né?"
E olha que, modéstia à parte, tem coisa boa ali. Mas são fotos com aquele visual genérico. Tudo bonito, tudo nítido, tudo correto. É fácil fazer foto boa no Yosemite, ou na Itália, ou em qualquer lugar que já é fotogênico por natureza. É só apontar a câmera e 90% está feito. Aperta o botão e pimba, fotão.

Como eu ainda estava começando, bateu aquele medo de perder alguma coisa. Então entrei no modo de fotografar sem pensar muito, saindo clicando tudo e torcendo pra alguma sair boa. Nada contra, mas ali, com cinco mil fotos no cartão e nenhuma que me tocava de verdade, comecei a repensar tudo.
E teve um detalhe curioso nessa viagem que só fez sentido anos depois.
Por brincadeira, comprei uma câmera descartável da Kodak numa lojinha perto do parque. Aquelas de filme, simples, com 27 poses e visor minúsculo. Nem levei muito a sério na hora. Mas quando revelei o rolo semanas depois, percebi que algumas daquelas fotos me transmitiam mais do que as da Sony. Tinha limitação, tinha grão, mas também tinha alma. Algo ali me puxava mais do que os arquivos super nítidos e perfeitos da full frame. E eu não sabia explicar na época, mas aquilo ficou na minha cabeça.
Voltei dessa viagem com um gosto estranho. Tinha tirado milhares de fotos, tinha uma câmera top na mão, mas sentia que faltava alguma coisa. Fiquei dias revirando as imagens no computador, tentando achar vida naquilo tudo. Um dia, no meio desse processo, comentei com a minha mãe. Falei que as fotos estavam bonitas, tecnicamente boas, mas pareciam frias. As cores eram muito cirúrgicas, muito limpas, tudo parecia ter sido feito por um robô. Sem intenção. Sem imperfeição. Sem verdade.
Ela, do nada, solta: "A minha câmera analógica, aquela que fotografou sua infância inteira, tá numa caixa no closet. Por que você não tenta usar ela? Eu tirei muita foto linda com ela."
Fiquei com aquilo na cabeça. O que poderia dar errado?
Essa câmera era uma Canon Rebel G, com a clássica lente do kit, uma 18-55mm bem básica. Mas era o suficiente pra começar. Dentro dela, um rolo de filme que começou a ser batido em 2003. Lembro de encontrar uma foto de um evento que minha mãe fotografou com data estampada. Sorte. Um pequeno portal no tempo que, sem querer, abriu uma nova fase pra mim.
E foi ali que tudo começou a mudar.
Agora, alguns anos depois, volto ao digital com outra cabeça. E com outra câmera.
A Fujifilm X100V.
A primeira vez que vi uma foi na Kiwi Camera Service, loja dos meus amigos aqui nos Estados Unidos. Isso foi no fim de 2022 ou começo de 2023. Eles tinham uma em estoque, o que já era raríssimo naquela época. Essa câmera tinha viralizado nas redes sociais e, por causa disso, a demanda explodiu. Era praticamente impossível encontrar ela nova nas lojas. Quando aparecia, era vendida em minutos. O cenário ficou tão maluco que os preços dos modelos usados passaram a ser mais altos do que o valor oficial de uma nova.
Peguei ela na mão e brinquei: "Tá aí uma câmera que me faria largar o filme pra usar." E eu nem imaginava o que estava por vir...
Tirei uma foto de teste e mandei na hora pra Vivi: "Descobri qual vai ser minha próxima câmera." Na época, o preço novo era em torno de 1400 dólares. A loja estava vendendo por 2100, e mesmo assim venderam por 1900. Coisa de maluco. Não comprei. Segui com meus filmes, tanques de revelação, rolos vencidos e todas aquelas alegrias do analógico. Mas a Fuji tinha deixado uma marca.

Vale dizer que depois disso eu testei uma Fuji X100 original, lançada em 2010, também emprestada pelo pessoal da Kiwi. Fiquei com ela por uma semana e não fiz um clique sequer. O autofoco era lento, rudimentar, e a experiência não me pegou. Claro, era uma câmera de 13 anos. Eu esperava o quê? Mas o corpo compacto, o visual rangefinder, a lente fixa... tudo isso ficou martelando no fundo da cabeça.

Corta para o fim de 2024.
Faltavam poucos dias pra eu voltar pro Brasil. Estava na Kiwi, como de costume, batendo papo com o Michael, dono da loja. Comecei a perguntar se ele sabia de alguma Fuji à venda. Falei que tava pesquisando, pensando em pegar uma X100V, talvez até uma VI, se o preço não fosse absurdo. Ele já foi direto: "Você não faz ideia de como é difícil achar essa câmera nas lojas. Tive um cliente que comprou a X100VI na pré-venda com a gente no lançamento, em fevereiro, e a câmera dele só chegou em dezembro." Quase dez meses de espera.
Na hora eu ri, mas entendi o recado. Demanda altíssima, estoque escasso, preço lá no teto. A X100V usada tava girando em torno de 1600 dólares. Uma X100VI nova era 1800, mas ninguém vendia por menos de 2 mil. Era mercado de revenda selvagem.
Aí veio o plot twist...
Um cliente antigo do Michael, cara de vinte e poucos anos, apareceu na loja dizendo que queria vender a X100V dele. O timing não poderia ser mais absurdo. Michael me chamou, mostrou a câmera. Avaliei, tava em ótimo estado. E quando o cara disse o preço, 1200 dólares... eu só pensei "não tem o que pensar." Comprei a câmera.

Parte 1 – A Experiência de Usar
A Fuji X100V é pequena, leve e construída com uma solidez surpreendente. O corpo dela é feito em alumínio usinado, com acabamento anodizado fosco, o que dá não só uma sensação de robustez como também um visual premium e atemporal. Não tem nada de plástico brilhante com cara de brinquedo aqui. Você sente que está segurando uma câmera de verdade.
Pra quem pensa em usar pra viagem, isso importa. Ela praticamente desaparece numa mochila e cabe fácil no bolso de um casaco. É o tipo de câmera que você leva sem pensar. Só isso já coloca ela quilômetros à frente de qualquer full frame trambolhuda ou mesmo mirrorless com lente intercambiável. Ela existe pra estar com você. E isso muda tudo. Como já disse Chase Jarvis: "A melhor câmera é a que está com você."
O design clássico, que lembra uma rangefinder analógica, chama atenção de um jeito sutil. Tem aquele ar de câmera de filme que faz qualquer curioso perguntar “é analógica?” mesmo sendo digital até os ossos. Essa estética não é só charme, ela te convida a fotografar. Te faz pegar a câmera na mão, olhar pelo visor e sair andando.
Mas ser tão compacta tem seu preço. Na primeira vez que saí com ela, fui ao Epcot Center e percebi que o grip é pequeno. Tenho mãos grandes, e segurar ela com firmeza por muito tempo não era confortável. Como não gosto de usar alça, optei por comprar um grip adicional. Em termos de ergonomia, esse foi meu único ponto negativo.
Agora... o resto compensa.
Os dials físicos são um espetáculo à parte. Velocidade do obturador, ISO, abertura, compensação de exposição, tudo acessível. E quando você usa esses controles com o visor óptico, a experiência se aproxima perigosamente da fotografia em filme. Dá até pra desligar o preview da foto. Você clica e não vê o resultado. Tá fotografando no escuro mesmo. E isso é libertador.
Outro ponto muito forte da Fuji é o nível de personalização. Você pode configurar praticamente todos os botões físicos da câmera. Dá pra deixar a X100V exatamente do seu jeito. Isso não é algo comum nas câmeras concorrentes, e sinceramente, não sei por que. Deveria ser padrão. Esse é o tipo de detalhe que faz parte da tal “experiência Fuji” que todo mundo fala.
Parte 2 – A Cor e a Estética
Se você pesquisar por Fuji X100V em qualquer canto da internet, a primeira coisa que vai ouvir é sobre as emulações de filme. Mas o que é isso?
As emulações da Fuji são perfis de cor baseados nos filmes analógicos clássicos da própria marca. Elas influenciam contraste, saturação, tons de pele, sombras, luzes… tudo. É como trocar o rolo de filme digitalmente.
Mas aí vem a confusão. Existem as simulações padrão da câmera, Classic Chrome, Velvia, Astia, Acros, e existem as receitas customizadas, onde você ajusta tudo: contraste, grão, sombras, balanço de branco, saturação. Isso muda o jogo. Só que muita gente nem sabe que isso existe, e vive com a câmera do jeito que saiu da caixa. Ou então descobre isso e entra num buraco profundo tentando entender como essas receitas funcionam. Eu fui um desses.
Mesmo assim, as cores nativas da Fuji são lindas. Mas onde ela realmente brilha é nas receitas customizadas.
Meu filme PB favorito é o Ilford FP4. Gosto de preto e branco com contraste pesado, sombra escura, nada flat. A primeira receita que tentei foi uma tentativa de FP4. E não tinha nada a ver com o filme original. E tudo bem.
Baixei o app Fuji X Weekly, que tem centenas de receitas criadas por usuários. E foi lá que encontrei a que virou minha favorita: uma versão da Kodak Gold 200. Cores quentes, tons suaves, grão realista. Aquilo me pegou.
Também usei uma emulação infravermelha:
“Fotografar com a emulação infravermelha me deu uma sensação de estar registrando algo que o olho não vê, mas o sentimento capta. É como se a câmera estivesse sintonizada em outra frequência.”
Com tudo isso, acabei usando JPEG direto da câmera. Só usei JPEG + RAW uma única vez, no primeiro show que fotografei. No segundo, fui só de JPEG e não senti falta de nada.
Parte 3 – As Limitações Técnicas
Tudo que vou dizer aqui é baseado no meu uso pessoal. Pode não ser um problema pra você.
A primeira coisa que me incomodou foi o tamanho. A câmera é pequena demais pra minhas mãos. Comprei um grip extra, porque não uso alça. Fim da história.
A segunda foi a confusão entre as emulações padrão e as receitas personalizadas. Você pode viver sem saber que existe essa diferença, ou cair num buraco de obsessão tentando entender como tudo funciona. E os tutoriais online não ajudam muito.
A terceira, mais séria: falta de estabilização de imagem no corpo da câmera. Isso faz diferença, principalmente pra vídeo. No meu último dia nos EUA, fui filmar meu Jeep com a Fuji. Sem gimbal, sem tripé. Já tinha feito isso com outras câmeras, com ótimo resultado. Com a Fuji, ficou tudo tremido. O corpo leve, com pouca massa, faz qualquer tremor parecer enorme.
Também senti isso quando usei o filtro infravermelho. Esse filtro corta entre 6 e 10 pontos de luz. Tive que usar ISO 6400 em pleno sol pra conseguir fotografar com 1/60 e não borrar. E mesmo assim, algumas fotos saíram tremidas.
Parte 4 – O Que Ela Realmente É
A X100V não é uma câmera híbrida. Ela até grava vídeos lindos em 4K, tem perfil flat, entrada de mic via adaptador… mas na prática, é uma câmera de fotografia. Em segundo lugar, qualquer corpo que tenha estabilização. Só depois disso vem o vídeo dela.
Mas afinal, pra quem é essa Fuji?
É uma câmera que vai servir bem pra quem está começando e pra quem já é profissional. Tem sapata pra flash externo. Já usei ela em retratos, produto, show, viagem. Ela entrega. Apesar da carinha de hobby, ela se comporta como câmera séria.
Ela não substitui o filme. Mas também não tenta. Ela sabe exatamente o que é, e faz o que se propõe a fazer com honestidade. Não acho que ela seja uma alternativa pra quem foi expulso do mercado analógico por causa dos preços, afinal, ela custa caro também. Mas considerando que a Fuji tem modelos mais baratos, com os mesmos sensores e as mesmas simulações, e que você não precisa gastar com filme e revelação a cada 36 fotos… dá pra dizer que ela chega perto. É o mais próximo que você vai ter do filme, sem ser filme.
E se me perguntarem se vale o hype?
Eu diria que sim.
É uma câmera redonda, bem construída, que entrega mais do que parece. Se você aceitar suas limitações, vai se apaixonar.











Comments